sexta-feira, julho 04, 2008

Liberdade...

Escrevo ouvindo o meu coração repetir com sistemática razão as palavras de Ingrid Betancourt, «nunca tratei o meu cãozinho como me trataram a mim», «o pior do sequestro é o sequestro, isto é, a impossibilidade de estar com aqueles que amamos, de os abraçar, de lhes dizer que os amamos», «foram seis anos sem água potável, sem abrir uma porta, tomando bando com água fria», «é como se tivesse voltado ao passado...tenho que aprender tudo de novo...».
Ingrid Betacourt é uma das «Antigonas» do tempo moderno. Pelo menos, é a «Antigona» que melhor conhecemos, a «Antígona» que mais nos comoveu, a «Antigona» a quem pudemos ouvir a narrativa da sua própria tragédia na primeira pessoa.
Ingrid foi sequestrada (emparedada) pelas Forças Revolucionárias Colombianas, quando há sete anos se candidatou à Presidência da República Colombiana, e tal como dizia a Antígona no prólogo de Sófocles «...não há dor, não há desgraça, não há vergonha, não há desonra que eu não tenha visto no numero das minhas e tuas penas».
Quando o jornalista da cadeira de rádio Ventena lhe perguntou se em algum momento do sequestro foi «violada», Ingrid ainda perturbada pela emoção, continua digna e responde que essas questoes não são para serem tratadas em público e menos ainda algumas horas depois da sua libertação.
- «Quem vive no meio de tantas calamidades como eu como não há-de considerar a morte um benefício» dizia Antígona de Soflocles a Creonte, seu tio, e governador da cidade...
Não foi exactamente o mesmo que fez Ingrig quando há muito pouco tempo escreveu à sua mãe a carta derradeira da sua libertação - «o meu corpo já não aguentava mais, a carta era a minha libertação»?
E tal como a Antígona de Sófocles, apesar de todas as vicissitudes, Ingrid não nasceu para odiar mas sim para amar. Não o amor (simpatia) que a poderia ter transformado em mais uma vítima do conhecido sindrome de Estocolmo (foram tantos os anos que a obrigaram a conviver com os sequestradores que com algum ou alguns poderia ter travado relações de simpatia), Ingrig deixou claro nas suas entrevistas que não aconteceu, mas o amor que só se conhece depois de se ter experimentado a «noite escura» da existência humana.
Ingrid, na selva colombiana, cerrou um dos mais sólidos compromissos que o ser humano tende a fazer quando se descobre a si mesmo na plenitude do que é ou do que pode ser e ao mesmo tempo se descobre no outro, como o reflexo de si, o compromisso com o SER.
Ingrid deixou claro que se comprometeu com Deus («a minha libertação foi um milagre, agradeço a Deus e à Virgem a quem rezei muito») quando Deus se mostra na intensidade da vida do SER. É por isso um programa para a vida. Daí que tenha deixado claro, quando o jornalista lhe perguntou se ia continuar a fazer politica, «por agora vou viver o amor...».
Aparentemente, há no entanto, uma enorme diferença entre estas duas «Antígonas» uma, a de Sófocles, morreu de facto, suicidou-se, a outra, a Ingrig Betencourt quis deus que ela vivesse...
É verdade...mas quantas vezes morreu Ingrig na selva colombiana?
©Ana Paula Lemos
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