E aos leitores do Blog um Santo Natal.
quinta-feira, dezembro 24, 2009
quarta-feira, dezembro 23, 2009
Ciclo Cinema e Literatura – Seminário Saber Europa – Sessão Especial – Manhã Submersa - Livro de Vergílio Ferreira – Filme de Lauro António
Assistir a esta sessão especial foi duplamente um privilégio: por um lado, a oportunidade de assistir a mais um filme de elevada qualidade, ainda por cima uma produção nacional, um drama sobre o país que fomos e que, de alguma forma, ainda somos; por outro lado, o facto desta obra nos ser apresentada pelo próprio realizador, o que traz sempre a possibilidade de vislumbrar um pouco do sonho que o animou e das peripécias que fazem parte do “nascimento” da obra, o que é sempre melhor do que qualquer trabalho de crítica ou análise, por muito bom que seja.
Começámos por ver um pequeno documentário sobre Vergílio Ferreira (realizado também por Lauro António), e onde de uma forma muito poética contactamos com a realidade da sua escrita, e percebemos também um pouco melhor o carácter deste homem. Vergílio Ferreira nasceu nas cercanias da Serra da Estrela, entrou para o seminário aos 10 anos de idade (lá permaneceu durante cerca de 6 anos), e terminou depois o seu percurso liceal, entrando na Faculdade de Letras em Coimbra. Tornou-se professor mas era já desde o tempo da faculdade, escritor, ao princípio mais influenciado pela corrente neo-realista, depois mais pela existencialista. Profundamente marcado por esses anos da infância, o seu discurso é quase sempre um olhar sobre a solidão, o silêncio, e a neve e o clima agreste da Serra, metáforas do caminho difícil do Homem no Mundo, ilustram muitas vezes as suas obras.
E é junto à Serra que começa também o nosso filme. As paisagens imensas, o frio que quase transparece do écran, a música majestosa, tudo nos transporta ao estado de alma propício para compreendermos o que se passa no coração do pequeno António, pois é dele a história que se conta. Assim, mergulhamos na vida de António, enviado para o seminário, e retirado sem mais ao convívio da sua família e da vida na aldeia. O abandono que experimenta, a ausência de um acolhimento afectuoso dentro do seminário, os dias impessoais, o discurso assustador de “perdição da alma” e das “tentações demoníacas”, tudo nos é mostrado sem rodeios. Torna-se nosso também o sentir do protagonista, a lenta compreensão de que, na verdade, lhe está a ser roubada toda a sua liberdade, talvez o seu único bem, e sem dúvida o mais precioso. Ao mesmo tempo ficamos a conhecer os padres que no Seminário são os professores, os educadores, os conselheiros, as encarnações da lei e da ordem, e que obedecendo a uma estrutura de séculos, onde as questões não têm lugar, perpetuam o mundo que eles próprios viveram, muitas vezes sem qualquer vocação ou alegria. Temíveis, não inspiram nem o Amor nem a Paz de que fala o Evangelho, mas relembram constantemente o Regulamento, onde a mais pequena falha produz sempre a punição para a qual não há nem misericórdia nem perdão.
E no mundo real, para lá das paredes grossas do seminário, vive o Portugal rural da época (a acção passa-se por volta dos anos 40), onde os pobres lutam pelo bocado de pão do dia a dia, trabalhando no campo de Sol a Sol, ou na fábrica sujeitos a patrões pouco justos, e onde os ricos, aburguesados e decadentes, escolhem fechar os olhos e preferem apenas a manutenção do status quo e da segurança que daí lhes advém. Os senhores são sempre os senhores, e para os pobres não há esperança de mudança.
É este o Portugal em que nasceram os meus pais, o Portugal que projecta ainda algumas sombras sobre o nosso presente, hoje. Porque a mudança não é fácil, nem para um país, nem para um povo, nem para o indivíduo isolado. E no entanto é possível, ainda que fruto do desespero, como aprendemos com António nos minutos derradeiros da “Manhã Submersa”.
Começámos por ver um pequeno documentário sobre Vergílio Ferreira (realizado também por Lauro António), e onde de uma forma muito poética contactamos com a realidade da sua escrita, e percebemos também um pouco melhor o carácter deste homem. Vergílio Ferreira nasceu nas cercanias da Serra da Estrela, entrou para o seminário aos 10 anos de idade (lá permaneceu durante cerca de 6 anos), e terminou depois o seu percurso liceal, entrando na Faculdade de Letras em Coimbra. Tornou-se professor mas era já desde o tempo da faculdade, escritor, ao princípio mais influenciado pela corrente neo-realista, depois mais pela existencialista. Profundamente marcado por esses anos da infância, o seu discurso é quase sempre um olhar sobre a solidão, o silêncio, e a neve e o clima agreste da Serra, metáforas do caminho difícil do Homem no Mundo, ilustram muitas vezes as suas obras.
E é junto à Serra que começa também o nosso filme. As paisagens imensas, o frio que quase transparece do écran, a música majestosa, tudo nos transporta ao estado de alma propício para compreendermos o que se passa no coração do pequeno António, pois é dele a história que se conta. Assim, mergulhamos na vida de António, enviado para o seminário, e retirado sem mais ao convívio da sua família e da vida na aldeia. O abandono que experimenta, a ausência de um acolhimento afectuoso dentro do seminário, os dias impessoais, o discurso assustador de “perdição da alma” e das “tentações demoníacas”, tudo nos é mostrado sem rodeios. Torna-se nosso também o sentir do protagonista, a lenta compreensão de que, na verdade, lhe está a ser roubada toda a sua liberdade, talvez o seu único bem, e sem dúvida o mais precioso. Ao mesmo tempo ficamos a conhecer os padres que no Seminário são os professores, os educadores, os conselheiros, as encarnações da lei e da ordem, e que obedecendo a uma estrutura de séculos, onde as questões não têm lugar, perpetuam o mundo que eles próprios viveram, muitas vezes sem qualquer vocação ou alegria. Temíveis, não inspiram nem o Amor nem a Paz de que fala o Evangelho, mas relembram constantemente o Regulamento, onde a mais pequena falha produz sempre a punição para a qual não há nem misericórdia nem perdão.
E no mundo real, para lá das paredes grossas do seminário, vive o Portugal rural da época (a acção passa-se por volta dos anos 40), onde os pobres lutam pelo bocado de pão do dia a dia, trabalhando no campo de Sol a Sol, ou na fábrica sujeitos a patrões pouco justos, e onde os ricos, aburguesados e decadentes, escolhem fechar os olhos e preferem apenas a manutenção do status quo e da segurança que daí lhes advém. Os senhores são sempre os senhores, e para os pobres não há esperança de mudança.
É este o Portugal em que nasceram os meus pais, o Portugal que projecta ainda algumas sombras sobre o nosso presente, hoje. Porque a mudança não é fácil, nem para um país, nem para um povo, nem para o indivíduo isolado. E no entanto é possível, ainda que fruto do desespero, como aprendemos com António nos minutos derradeiros da “Manhã Submersa”.
©Maria Alexandra Campos
Natal na Europa Viva...
Obrigado à Europa Viva por existir, votos de felicidades e de
actividade fecunda no futuro.
actividade fecunda no futuro.
José Tomaz Ferreira
segunda-feira, dezembro 21, 2009
Ultima sessão Ciclo Cinema e Literatura
Dia 21 Dezembro às 19:00 na Reitoria da Universidade de Lisboa termina o Ciclo de Cinema e Literatura, um dos módulos do Seminário Saber Europa, um projecto organizado e promovido pela Europa Viva - http://www.europaviva.eu/news/200906_SaberEuropa/
Terminamos o Ciclo com o filme Manhã Submersa, uma realização de Lauro António, o Comissário deste Ciclo de Cinema e Literatura.
Ouvir o Lauro António a conversar sobre o seu filme é, de facto, uma oportunidade única para entender histórias que o cinema teceu ao longo do tempo.
Convidamos todos os associados e leitores do blog, que se interessem por Cinema e pela História do Cinema, a estarem presentes neste encontro.
Ciclo de Cinema e Literatura - Seminário Saber Europa - D. Quixote de La Mancha- Livro de Miguel de Cervantes - Filme de Manuel Gutierrez Aragón
Que dizer sobre um romance como o "D.Quixote"? Este é um daqueles livros que, escrito no longíquo século XVII, se mantém vivo até hoje. O seu carácter universalista torna-o sempre actual e sempre capaz de novas leituras e adaptações. Obra prima da língua espanhola, continua a ser alvo de edições, estudos e traduções, bem como de adaptações cinematográficas, ou de inspiração para outras artes, como a pintura, a escultura, a música ou a ópera. E tudo isto partindo das aventuras e desventuras de certo fidalgo de La Mancha, um pouco entrado em anos, dado mais a leituras de romances de cavalaria do que à administração da sua propriedade, mais disposto a viver uma vida de fantasia do que a enfrentar a realidade, que Miguel de Cervantes criou e cujo o livro começou a ser publicado em 1605. Dom Quixote: um louco para todos excepto para o seu companheiro Sancho Pança, homem rude e humilde, verdadeiro membro do povo, que na sua ingenuidade acompanha o amo, e que vendo o mundo como ele é, vendo moinhos em vez de gigantes, frades em vez de salteadores, pousadas em vez de castelos, fielmente segue a Dom Quixote, mesmo pagando com feridas, fome e tareias essa obediência. Não que Sancho seja parvo: Dom Quixote promete-lhe o cargo de governador de uma ilha, honrarias e moedas de ouro, e é com esse objectivo, o de se tornar igual ao seu senhor, que Sancho permanece constante. Na verdade a crítica de costumes em que Miguel de Cervantes é exímio continua ainda hoje actual: os poderosos vivem em mundos paralelos, têm visões irreais, e os pequenos e simples que percebem melhor o mundo, ainda assim, não confiando em si mesmos, cheios da ambição de se tornarem poderosos, deixam-se levar, sabendo muito bem que vão pagar caro essa escolha.Manuel Gutierrez de Aragón, o cineasta que produziu a versão para televisão de 1991 da qual pudémos ver 2 episódios, transporta para o écran, com muito realismo e humor, a visão crítica de Cervantes, os dois olhares do mundo que ele põe sempre em diálogo e sempre em oposição: o sonhador e idealista por um lado, e o sentido prático e terra a terra, por outro. Coloca-nos no caminho que estes 2 homens tão díspares fazem em conjunto, e torna-nos cúmplices do seu percurso. Também a nossa maneira de viver é hoje feita de contrastes, num equilíbrio difícil entre o sonhado, o possível, a opinião dos outros e a realidade dos dias.
©Maria Alexandra Campos
Ciclo de Cinema e Literatura - Seminário Saber Europa - D. Quixote de La Mancha- Livro de Miguel de Cervantes - Filme de Manuel Gutierrez Aragón
Que dizer sobre um romance como o "D.Quixote"? Este é um daqueles livros que, escrito no longíquo século XVII, se mantém vivo até hoje. O seu carácter universalista torna-o sempre actual e sempre capaz de novas leituras e adaptações. Obra prima da língua espanhola, continua a ser alvo de edições, estudos e traduções, bem como de adaptações cinematográficas, ou de inspiração para outras artes, como a pintura, a escultura, a música ou a ópera. E tudo isto partindo das aventuras e desventuras de certo fidalgo de La Mancha, um pouco entrado em anos, dado mais a leituras de romances de cavalaria do que à administração da sua propriedade, mais disposto a viver uma vida de fantasia do que a enfrentar a realidade, que Miguel de Cervantes criou e cujo o livro começou a ser publicado em 1605. Dom Quixote: um louco para todos excepto para o seu companheiro Sancho Pança, homem rude e humilde, verdadeiro membro do povo, que na sua ingenuidade acompanha o amo, e que vendo o mundo como ele é, vendo moinhos em vez de gigantes, frades em vez de salteadores, pousadas em vez de castelos, fielmente segue a Dom Quixote, mesmo pagando com feridas, fome e tareias essa obediência. Não que Sancho seja parvo: Dom Quixote promete-lhe o cargo de governador de uma ilha, honrarias e moedas de ouro, e é com esse objectivo, o de se tornar igual ao seu senhor, que Sancho permanece constante. Na verdade a crítica de costumes em que Miguel de Cervantes é exímio continua ainda hoje actual: os poderosos vivem em mundos paralelos, têm visões irreais, e os pequenos e simples que percebem melhor o mundo, ainda assim, não confiando em si mesmos, cheios da ambição de se tornarem poderosos, deixam-se levar, sabendo muito bem que vão pagar caro essa escolha.Manuel Gutierrez de Aragón, o cineasta que produziu a versão para televisão de 1991 da qual pudémos ver 2 episódios, transporta para o écran, com muito realismo e humor, a visão crítica de Cervantes, os dois olhares do mundo que ele põe sempre em diálogo e sempre em oposição: o sonhador e idealista por um lado, e o sentido prático e terra a terra, por outro. Coloca-nos no caminho que estes 2 homens tão díspares fazem em conjunto, e torna-nos cúmplices do seu percurso. Também a nossa maneira de viver é hoje feita de contrastes, num equilíbrio difícil entre o sonhado, o possível, a opinião dos outros e a realidade dos dias.
©Maria Alexandra Campos
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