Ryszard Kapuscinski (1932-2007) foi seguramente um dos maiores repórteres literários do século XX.
Um dos programas do projecto Europa em Movimento, o transmongoliano, deve uma parte do seu trajecto a um livro deste jornalista escritor, O Império, editado em Portugal pela Campo das Letras, onde o autor descreve através de vários pequenos textos a narrativa mítica da ex-União Soviética e da teia de poder que corrumpia aquele ex-Imprério e ainda uma das suas viagens de comboio pela ex-União Soviética profunda, que como naquele tempo, ainda hoje se faz atravéz do Transsiberiano.
Mas o que queremos citar de Ryszard Kapuscinski foi escrito num livro agora publicado pela Relógio de Água designado Os Cínicos Não Servem Para Este Oficio - Conversas sobre o Bom Jornalismo.
É um livro que se lê num dia (claro que esta recomendação valida apenas os que têm a sorte de ter tempo para ler) que nos ensina muito sobre o «bom jornalismo» mas obriga-nos também ou/e fundamentalmente a reflectir sobre o século XXI.
É a este propósito que vou citar Ryszard:
«A minha intenção, no entanto, é mais ambiciosa. Não pretendo limitar-me a escrever sobre pobres ou ricos, pois essa tarefa compete principalmente a uma série de organizações, desde as Igrejas às Nações Unidas. A minha principal intenção é mostrar a todos nós, Europeus - que temos uma mentalidade bastante eurocêntrica -, que a Europa ou, aliás, uma parte dela, não é a única coisa que existe no mundo. Que a Europa está rodeada por um imenso e crescente número de diferentes culturas, sociedades, religiões e civilizações. Viver num planeta que está cada vez mais interligado significa ter a noção disso e adaptarmo-nos a uma situação global radicalmente nova.
Antigamente era possível vivermos separados, sem sabermos nada uns dos outros, sem um país saber do outro. Mas no século XXI já não será possível. Por conseguinte, devemos lentamente - ou, aliás, rapidamente - adaptar o nosso imaginário, o nosso modo de pensar tradicional a essa nova situação...
O nosso imaginário foi educado para pensar em pequenas unidades: família, tribo ou sociedade. No século XIX pensava-se em termos de nação, de região, ou de continente. Contudo, não temos instrumentos, nem experiência, para pensar à escala global, para perceber o que isso significa, para nos apercebermos de que modo as outras partes do planeta nos influenciam e de que modo nós as influenciamos.
Por outras palavras, é muito difícil perceber que cada um de nós é um se humano ligado a outros seres humanos, que temos de nos imaginar como figuras dotadas de muitos fios e laços que se estendem em todas as direcções...
No meu caso, precisamente porque vivi nesses continentes, tentei fazer compreender, através dos meus artigos, que estamos a atravessar um momento de grande revolução, da qual todos fazemos parte; e, que, em primeiro lugar, temos que compreender a situação e adaptarmo-nos e ela».
Eis os alicerces do projecto Europa em Movimento.
©Ana Paula Lemos