sexta-feira, março 28, 2008

Ainda Roma...extratos da entrevista de Tom Holland ao Diário de Noticias a proposito do seu livro Rubicão, editado em Portugal por Bertrand Editores

Passagens da entrevista que Tom Holland, escritor de Rubicão, concedeu à jornalista Maria João Pinto do Diário de Noticias, seleccionadas por Alexandra Campos, Presidente do Conselho Fiscal da Europa Viva.

Escreve em Rubicão que o nosso tempo já não valoriza, ou já não sabe valorizar, os clássicos da Antiguidade. Estamos a perder uma lição valiosa?


Não sei se em Portugal é assim, mas em Inglaterra sim, absolutamente. Deixaram de ser estudados nas escolas, o que significa que, pela primeira vez desde o Renascimento, uma geração cresceu sem saber o que foram a Grécia e a Roma antigas. É de lamentar profundamente, até porque em anos recentes o seu conhecimento redobrou de importância: desde o final da Guerra Fria que vivemos num mundo muito similar ao de Roma. E creio que o facto de ter havido na última década um ressurgimento de interesse por ele no cinema, na televisão, nos livros e até nos jogos de computador, reflecte o facto de as pessoas sentirem que foram deserdadas de alguma coisa.


A sua paixão pelos clássicos, quando começou?


Começou quando eu tinha oito anos. O passado remoto sempreme interessou e os romanos são,de certo modo, os dinossauros da História: cheios de glamour, ferozes... e mortos e enterrados há muito (risos). Foi um interesse que me acompanhou sempre - espero que seja hoje ligeiramente mais sofisticado -, mesmo que a minha visão tenha mudado em face do estadodo mundo. Ao pensar escrever sobre Roma, considerei que daria um paralelo interessante com o mundo globalizado em que vivemos. Mas depois deu-se o 11 de Setembro, a guerra no Afeganistão e, depois, no Iraque, e não era só eu a sentir isso, muita gente o sentia: que, se quiséssemos perceber o que estava a acontecer, talvez Roma fosse, não uma explicação, mas um espelho. Até ao final da Guerra Fria, parecia história antiga; a partir daí, a percepção mudou: é história mais contemporânea do que parece. Falamos hoje muito de globalização, mas, muito antes de nós, Roma foi pioneira nela.Penso que a questão-chave para o estudo da república romana está no facto de o seu triunfo se tornar a sua tragédia - tudo o que faz dela uma super-potência acaba por condená-la. O povo romano ganha prosperidade, mas perde liberdade e essa é uma questão hoje candente: penso que também nós trocámos liberdade por prosperidade.


Cruzar o Rubicão é também uma metáfora dos limites do poder?


Penso que é quase sempre o oposto. César pára à beira do Rubicão e hesita por momentos porque sabe que irá destruir a República ao atravessar aquele rio. O Rubicão era uma linha divisória na História de Roma, linha que persiste nos dois lados do debate na política ocidental até aos dias de hoje - o que queremos? Liberdade com risco de anarquia ou ordem com risco de tirania? É uma escolha intemporal e Roma, como base da nossa civilização, oferece--se como magno exemplo disso, razão pela qual o seu apelo é tão forte. Claro que se passou muitas vezes o Rubicão na política desde então: na Tomada da Bastilha, quando os americanos viram costas a Jorge III de Inglaterra... Ambos recuperando, aliás, uma matriz romana: na Revolução Francesa, vamos encontrar os seus agentes mais activos fazendo-se retratar como figuras da república romana; e os americanos, ao fundar a sua república, construindo um senado, um capitólio... Pensemos, por exemplo, na estátua épica, fantástica, de George Washington, com uma peruca do século XVIII e... uma toga! Absolutamente hilariante (risos).É um apelo poderoso… e perene.É, embora hoje ninguém queira conscientemente comparar-se a um romano, muito graças a Mussolini e às consequências do Fascismo. Mas penso que a lição, o fascínio de Roma, mantêm intacta a sua capacidade para servir como algo mais que história antiga. E que continua presente na política de hoje. Um exemplo: a corrida à Casa Branca. Por que razão num sistema tão aberto, em que qualquer um pode candidatar-se, as pessoas continuam a votar, uma e outra vez, em membros da mesma família? Se pensarmos nos Bush, nos Clinton, de alguma forma temos a resposta: é o reconhecimento de uma marca e estou certo de que isso também era verdade nos tempos de Roma.

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