Quando o comboio parou, pela primeira vez na plataforma chinesa, ao som de cânticos revolucionários, eram 21:35 minutos do dia 26 de Agosto de 2007. Já tinhamos atravessado a Rússia e a Mongólia, completávamos o 11ª dia dessa viagem mitíca que é o transmongoliano e a nossa memória estava, obviamente, impregnada dos totalitarismos do século XX.
Lá fora era noite cerrada mas as luvas brancas dos militares chineses fardados a rigôr, num cortejo de hospitalidade militariazada, iluminavam uma gare de grande plataforma mas de parcas infra-estruturas:
- um barracão branco, razoavelmente grande, com uma casa de bando infestada de um cheiro insuportável, um bom supermercado, carregado de bons produtos chineses...
Foi neste lugar que durante quatro horas a alfandega chinesa «despachou» as várias dezenas de viajantes do Transmongolino, alinhados numa fila única, vestidos tal como se encontravam no comboio, aguardando a vez para fazer prova daa suas cidadanias.
Lembro-me do ar aterrador do nosso agente russo e li no seu rosto as linhas curvas de uma memória cheia de interrogações, pontos de exclamação, e muitas reticências .
Para nós cidadãos europeus, esta experiência constituia a verdade de muitas páginas lidas em jornais, livros, revistas, e a mentira de alguns intelectuais que durante os anos 60, 70 e até 80 gostavam de acreditar que a China podia ser um bom título de paradigma politicamente feliz.
Não conseguimos falar todos uns com os outros sobre esta experiência única de história vivida. As nossas almas livres recebiam noticias de dor quase insuportáveis para uma cidadania livre e responsável como esta construída numa Europa social.
Mas como sabem há palavaras que não precisam de ser ditas.
Na China há céus carregados de muitas nuvens que choram lágrimas de grande aflição.
©Ana Paula Lemos