«...é preciso prestar também atenção ao facto de o estado actual da cultura europeia poder ser interpretado, entre outras possibilidades, à luz de como se volta a utilizar a questão da Antiguidade. Desse ponto de vista a nossa relação com o precedente romano é dramática. Basta lembrar certas datas da história arquitectónica europeia: no reinado carolíngeo, a primeira coisa que a monarquia cristã fez foi tornar a repetir formas romanas de construção como a basílica e o edifício circular; o século XVI incorporou a moradia; nos séculos XVII e XVIII recuperaram-se formas elegantes: o templo, o templo circular, o salão de descanso; segue-se um uso meio absolutista meio burguês do anfiteatro para o Templo Imperial; depois a distribuição dos assentos dos novos parlamentos, sem esqueçer as mais antigas salas universitárias. Todas são formas arquitectónicas onde é possível ouvir as vozes individuais dos homens. A forma antiga que mais tardou a ser recuperada foi a arena romana, o novo estádio desportivo, o circo capaz de albergar combates. Esta ideia arquitectónico-social do espaço e da reunião só regressou na experiência do século XX, mas de forma repentina e de modo epidémico, sem dúvida porque o teatro circular romano incorpora uma sugestiva fórmula circular para as necessidades da ressuscitada cultura de massas. O estádio é portanto pura neo-antiguidade no seu mais obscuro valor limite. É o lugar do culto do fatalismo, que se tornou de novo religião de massas. O fatum, o destino, é a sentença que determina a diferença entre vencedores e vencidos. Ao mesmo tempo é a vox omnium, o rugido da multidão. Os grandes estádios não podem ser separados da sua forma arquitectónica: só a partir dessa experiencia podemos pensar em termos conclusivos sobre a nova civilização de massas...».
In O Sol e a Morte
Peter Sloterdijk
Diálogos com Hans-Jurgen Heinrichs
Relógio de Água