sábado, maio 17, 2008

O Teatro na Grécia Antiga - José Pedro Serra


Foi em Atenas, no século V a.C., embora as suas origens recuem ao século VI a.C., que a tragédia se afirmou como uma das mais poderosas realizações do espírito, constituindo um dos principais legados da Grécia antiga. Tragédia e trágico são termos de extensão indomável, tal a diversidade de sentidos que arrastam e a densidade de universos que evocam. A partir do momento em que os gregos inventaram as representações trágicas, muitos foram ao longo do tempo os que, dela a seu modo se apropriando, reconheceram na tragédia a mais grandiosa e sublime forma de expressão literária. Os séculos XIX e XX assistiram a um poderoso regresso do trágico; neste passado recente, não poucos foram os homens que reconheceram na tragédia o desenho do traço que melhor e mais autenticamente diz a nossa humana condição, as nossas mais agudas e agrestes dores, as nossas alegrias mais puras e heróicas. Reler os tragediógrafos gregos, ÉSQUILO, SÓFOCLES e EURÍPIDES, significa, então, não apenas regressar ao momento histórico em que a cosmovisão trágica foi esculpida, mas, mais importante, retomar e habitar perguntas que ainda nos envolvem e decisivamente nos dizem. Neste olhar para o trágico dirigido encontram-se palavras antigas e perplexidades modernas, ecos em que os tempos se misturam.Representada em 458 a.C., a ORESTEIA, única trilogia que chegou até nós completa, composta por AGAMÉMNON, COÉFORAS e EUMÉNIDES, constitui um momento privilegiado da reflexão sobre o trágico. Em AGAMÉMNON, depois de dez anos ausente na guerra de Tróia, o supremo comandante do exército grego, o rei Agamémnon, regressa vitorioso a Argos. Clitemnestra, sua mulher, e Egisto, que prepararam para ele uma morte cruel, aguardam-no à sua chegada. É assim vingado, entre outros antigos crimes, o sacrifício de Ifigénia, filha de Agamémnon e de Clitemnestra, que o rei sacrificou para que se desencadeassem os ventos favoráveis que permitissem a partida da armada grega para Tróia. Em COÉFORAS, é Orestes que, sob a protecção de Apolo, vinga a morte de seu pai, Agamémnon, matando Clitemnestra e o seu amante Egisto. O matricídio, porém, faz desencadear a fúria das Erínias, primitivas deusas zeladoras do direito de sangue, que castigam aqueles que derramam sangue do mesmo sangue. A última peça da trilogia, EUMÉNIDES mostra-nos Orestes a ser perseguido pelas Erínias, primeiro em Delfos, onde Apolo o acolheu, depois em Atenas onde Atena institui um tribunal para julgar tão complexo caso. O voto da deusa acaba por absolver Orestes, mas a sua absolvição não pode erguer-se sobre o desprezo e a destruição do antigo direito de sangue. As arcaicas Erínias transformam-se em Euménides, deusas protectoras da cidade.


José Pedro Serra
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