quarta-feira, janeiro 23, 2008

A propósito da censura em La Sapienza ao Bispo de Roma, Papa Bento XVI

Um sócio fundador da Europa Viva, Ângelo Silveira, arquitecto e actualmente bolseiro em Roma, enviou-nos, já traduzido, uma parte daquela que seria a intervenção do Papa (na qualidade de Bispo de Roma) na Universidade de La Sapienza a convite do Reitor daquela instituição ( a mais antida Universidade de Roma e uma das mais reputadas em Itália) a quem um grupo de docentes e mais tarde de estudantes manifestou-se internamente contra, dizem, a vinda de um chefe religioso.
«...O que pode o Papa dizer numa ocasião como esta? Em Ratisbona falei sobretudo como antigo professor daquela Universidade. Aqui, convidado como Bispo de Roma, falarei como tal. La Sapienza foi uma Unversidade do Papa. Hoje é laica, com a autonomia que desde a sua fundação, faz parte da sua natureza e à qual deve estar sempre ligada a autoridade da verdade. Na liberdade da autoridade política e eclesiástica a Universidade encontra a sua função particular, que a sociedade moderna tanto precisa.
Que pode e deve então dizer um Papa nesta ocasião? para encontrar esta resposta devo primeiro responder a duas outras questões: qual é a natureza e a missão do Papa? qual é a natureza e a missão da Universidade? O Papa é antes de tudo Bispo de Roma e como tal, em virtude da sucessão de Pedro, tem uma responsabilidade episcopal na condução de toda a Igreja. (...) Esta designação (bispo/ Episkopos/ Zelador) orienta o olhar primeiramente para o interior da comunidade crente, mantendo-a unida e orientada para Deus. Mas esta comunidade vive no mundo. A sua condição, caminho, exemplo, palavra influenciam a restante da comunidade humana. Qunato maior ela é, mais influi na sua qualidade ou no seu degrado e isso repercurtir-se-á na restante comunidade humana.Vemos hoje com muita clareza como a condição das religiões e da Igreja (suas crises e renovamentos) agitam a humanidade. Assim, o Papa, como pastor da sua comunidade é uma voz da razão ética da humanidade. Surge então uma objecção, segundo a qual o Papa não falaria tendo por base a razão ética mas antes o seu juízo de fé e por isso não poderia pretender a anuência de todos quantos não partilham aquela fé.
aqui põe-se uma questão fundamental: O que é a razão? Como pode uma afirmação - sobretudo uma norma moral - ser "racionável"? Neste ponto tenho de fazer notar que John Rawls (filósofo de política, americano) negando à doutrina religiosa o carácter de razão "pública" vê todavia nela a razão "não pública", pelo menos uma razão que não poderia, em nome de uma racionalidade secularmente empedernida, ser desconhecida àqueles que a sustêm. Ele vê como critério desta racionalidade, entre outros, o facto de doutrinas semelhantes derivarem de uma tradição responsável e motivada em que, ao longo do tempo, se desenvolveram argumentos suficientemente bons para as susterem.
Nesta afirmação pareçe-me importante o reconhecimento de que a experiência e a demonstração, ao longo de gerações - o fundo histórico da sabedoria humana - são também sinal da sua racionalidade e do seu perene significado.
Em face de uma razão a-histórica que procura construir-se apenas numa racionalidade a-histórica, a sabedoria da humanidade como tal - sabedoria das grandes tradições religiosas - é de valorizar como realidade que não se pode impunemente deitar no caixote da história das ideias.
Retomando a ideia principal. O Papa fala como representante de uma comunidade crente, na qual, durante os séculos da sua existência amadureceu uma determinada sabedoria de vida; fala como representante de uma comunidade que guarda em si (tem sob custódia) um tesouro de conhecimento e de experiência ética que é importante para toda a Humanidade. Neste sentido fala como representante de uma razão ética...»

voltar ao topo da página