sexta-feira, janeiro 25, 2008

Nova Europa - texto de Sérgio Hipólito


A NOVA EUROPA

Até esta data, 2008 tem sido um ano de profunda “ressaca europeia”. Depois de um final de 2007 exigente, com a Cimeira UE-África e a assinatura do Tratado de Lisboa, as agendas governativas voltaram a estar ocupadas com assuntos internos. Os líderes europeus sabem bem que a forma como têm gerido a evolução da UE, cada vez mais à revelia dos cidadãos, não lhes poderá garantir grande apoio por parte dos eleitores. Como tal, a agenda europeia foi suspensa. Curiosamente, ou talvez não, o despertar veio de fora de portas. Foi a recessão da economia americana que conseguiu voltar a trazer para as páginas dos nossos jornais o tema União Europeia. Devido à profunda relação de dependência entre os mercados europeu e americano, os impactos do abrandamento dos EUA podem vir a ter resultados catastróficos na recuperação da economia europeia.
A primeira reacção deste lado do Atlântico foi, como sempre, descoordenada. Gordon Brown decidiu convidar Itália, França e Alemanha para debater os impactos da crise americana no espaço europeu. Tendo em conta o peso das economias dos ilustres convidados, as decisões daquela reunião podem trazer consequências para toda a Europa. Mas este novo espírito europeu já não é novo. Em 2001, o Reino Unido tentou, discretamente, fazer uma reunião entre alguns (os maiores) membros da UE para reagir aos atentados terroristas do 11 de Setembro. Perante um coro de protestos dos restantes países, Tony Blair foi forçado a acrescentar cadeiras na sua mesa de reuniões. O que torna diferentes os dois episódios, separados no tempo por menos de sete anos, é que a partir de agora este “modus operandi” está consagrado no “nosso” Tratado de Lisboa.
Após a 2ª Guerra Mundial, De Gasperi, Monnet e Schumann perceberam que a única forma de evitar um novo conflito seria através da criação de um projecto comum cuja principal característica fosse a igualdade real entre todos os Estados. A concretização prática dessa necessidade de igualdade estava contida no direito de veto nas negociações, o que tornava a unanimidade uma regra fundamental no processo decisório. E não foi por haver direito de veto que a Europa deixou de ser um espaço de paz e prosperidade, tão desejado pelos países que nos rodeiam.
Ao contrário do que muitos apoiantes do Tratado de Lisboa dizem, o direito de veto não é perigoso. De resto, ele raramente foi usado. Sempre existiu, e só o facto de existir já era suficiente para influenciar as negociações no sentido de agradar a todos. Com a sua substituição pela maioria qualificada, um consenso entre alguns Estados é suficiente para aprovar medidas na União Europeia. Pela primeira vez, passará a haver, no final das negociações, uns que ganham e outros que perdem. E os países mais pequenos, entre os quais está obviamente Portugal, serão os mais prejudicados e terão maior dificuldade em impor as suas posições. Com o Tratado de Lisboa, a União Europeia passa a ser propriedade do directório dos grandes. Habituem-se.


Sérgio Hipólito

23-01-2008
voltar ao topo da página