sexta-feira, novembro 16, 2007

Da Europa e do papel dos intelectuais, um texto de Sérgio Hipólito



DO PAPEL DOS INTELECTUAIS NA EUROPA

Notável o artigo de Inês Pedrosa na sua habitual crónica semanal na revista Única, do Expresso. Assino por baixo. Nenhum país pode ter cidadãos esclarecidos sem uma elite intelectual. Em Portugal, a situação é catastrófica: os governantes oferecem-se, patrioticamente, para carregar sozinhos o pesado fardo de pensar na política. E isso preocupa-me.
Preocupa-me a recente entrevista de José Rodrigues do Santos a apontar interferências entre o poder político e a estação de televisão pública; preocupa-me que mal acabe o telejornal da RTP se ofereçam tempos de antena, sem contraditório, a personalidades que se tentam mostrar independentes mas que estão mais colados aos jogos políticos do que uma lapa à rocha; preocupa-me que o espaço de opinião dos jornais de referência esteja frequentemente ocupado por ministros a puxarem o lastro a medidas que “vão definitivamente colocar o país na linha da frente da Europa.”
Mutatis mutandis, é também isso que se passa um pouco por toda a Europa. A União Europeia, herdeira dos vários impérios que dominaram o nosso continente, e que é hoje o veículo da europeização, olha com desconfiança para a importância dos intelectuais. Personalidades como Eduardo Lourenço, Fernando Savater ou Umberto Eco, não desempenham qualquer papel reconhecido no projecto europeu. Tudo é dominado por eurocratas, indivíduos desconhecidos que trabalham fechados nos seus escritórios e que se dedicam a fabricar milhares de leis, estudos, pareceres e “agências” sobre tudo e mais alguma coisa. Desde o transporte do peixe até à composição das embalagens dos cereais.
É necessário diminuir o fosso que separa a Europa dos cidadãos, e os grandes escritores e pensadores têm um papel fundamental. São eles que podem criar as bases que falta para que os europeus se sintam mobilizados por este projecto que lhes garante a paz há mais de 50 anos. São eles que podem ajudar a construir um sentimento de pertença a uma história, geografia e filosofia comuns, e a destruir a ideia que a Europa é apenas “a expressão para o défice máximo de três por cento”.
Há meio século, Schumann referia-se, nos seus discursos, a Thomas More, a Dante e a Paul Valéry. Pare ele, construir a Europa era “um grande desígnio moral” e falava-se frequentemente da “alma da Europa”. Infelizmente não se ouvem expressões com estas nos corredores do Berlaymont. Os líderes europeus de hoje ainda não perceberam (ou não querem perceber) que a Europa é cada vez mais apenas um arranha-céus em Bruxelas. E assim o projecto caminha para a implosão.

Sérgio Hipólito
Mestrando Estudos Europeus (FLL)
Estagiário OIT - Lisboa
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