Ler romances
«Nem todos os livros se lêem do mesmo modo. Os romances, por exemplo, existem para serem devorados. Lê-los é uma volúpia da assimilação. Não se trata de empatia. O leitor não se coloca no lugar do herói, mas assimila o que lhe acontece. O relato vivo disso é a forma de apresentação apetitosa que traz à mesa um prato suculento. É certo que também há alimentos crus da experiência - tal como há alimentos crus para o estomâgo -, concretamente: as experiências que nos passam pela própria pele. Mas a arte do romance como a arte da cozinha, só começa para lá dos alimentos crus. E quantas substâncias suculentas não existem que são intragáveis em estado cru! E quantas experiências que são aconselhaveis em estado de leitura, mas não de vivência! (...).
Em suma: se existe uma musa do romance - a décima -, o sem emblema é a fada da cozinha. Tira o mundo do seu estado cru, para lhe preparar pratos comestiveis e extrair dele o seu gosto. Se tiver de ser por ler-se o jornal à refeição. Mas nunca um romance. São tarefas necessárias, mas que entram em conflito.»
Benjamin, Walter in Imagens de Pensamento