«Numa Casa do Livro, esquecemos rapidamente que os livros não são um facto universal nem inevitável. Que são inteiramente vulneráveis ao apagamento e à destruição. Que têm a sua historia, como todas as outras construções humanas: uma história cujos começos comportam a possibilidade, a eventualidade de um fim.
Desses começos não sabemos muito. Na China, há textos de natureza ritual ou didáctica que remontam sem dúvida ao segundo milénio antes da nossa era. As tabuinhas administrativas e comerciais da Suméria, os proto-alfabetos e alfabetos do Mediterrâneo Oriental falam-nos de uma evolução complexa da qual nos continuam a escapar numerosos aspectos cronológicos. Na nossa tradição ocidental , os primeiros «livros» são tabuinhas que registam o direito, transacções comerciais, prescrições médicas ou projecções astronómicas. As crónicas historiográficas, intimamente associadas a uma arquitectura que celebra triunfos e às comemorações vingadoras precedem decerto tudo aquilo que conhecemos sob o nome de «literatura». A epopeia de Gilgamesh, os mais precoces fragmentos datáveis da Bíblia hebraica são tardios, mais próximos de Ulisses de Joyce do que das suas origens, que são o canto arcaico e a narrativa oral.
É este o núcleo. A escrita é um arquipélago no meio das imensidões oceânicas da oralidade humana.»
Steiner, George., Os Logocratas, Relógio D'Água, 2006