O DILEMA TURCO, parte II: o cerne da questão
O dilema turco só o é porque se prende com factores bastante mais sensíveis que os acima referidos. Em primeiro lugar, estão em jogo questões de identidade, que se reflectem num conjunto de preconceitos resultantes da percepção que os europeus têm da história e da cultura turcas. A Turquia, embora geograficamente seja mais asiática que europeia, faz parte indiscutivelmente da história do Velho Continente. Basta folhear os nossos manuais escolares. Só que a forma como essa história é transmitida nas escolas privilegia uma visão perigosamente simplista: da mesma forma que os escandinavos da Alta Idade Média eram todos Vikings que espalhavam terror e destruição, os turcos são apresentados como os bárbaros que estiveram às portas de Viena em 1683. Ou seja, cria-se a imagem de um grupo de selvagens que tentaram reduzir a cinzas a mais europeia das cidades daquele tempo. E esta oposição precipitada, produzida nos bancos das escolas, acaba inevitavelmente por criar obstáculos na hora de debater a adesão da Turquia à União Europeia.
Outro argumento frequentemente apontado para rejeitar a adesão da Turquia prende-se com o facto de ser um país islâmico. Mas, neste caso, o 11 de Setembro só veio acentuar ainda mais a necessidade de dizer “sim” a Ancara, sob pena de deitar a perder todo o esforço feito para o diálogo entre civilizações, religiões e culturas (e 2008 será o ano europeu para o diálogo intercultural). De facto, a religião, que parecia uma diferença inultrapassável, tornou-se um factor a favor da adesão da Turquia. Porque neste momento, rejeitar a adesão de um país devido a factores religiosos constitui um erro de proporções inimagináveis, que resultará, por certo, numa reacção sectária e fundamentalista contra a Europa, em todas as suas dimensões. Pior ainda, e tal como afirma Teresa de Sousa (de longe, a melhor jornalista portuguesa em assuntos europeus), “poderá vir a ter resultados para todo o Ocidente tão ou mais perigosos que a invasão do Iraque.”
Aceitar o pedido de adesão da Turquia é, sem dúvida, a forma mais eficaz de demonstrar as vantagens da moderação política e do sistema democrático para modernizar e desenvolver os países islâmicos. Além disso, tendo em conta a actual situação geopolítica internacional, com a credibilidade dos EUA muito afectada, só o soft power europeu pode ser capaz de demonstrar que o Islão é compatível com o respeito pelos direitos humanos e com o Estado de Direito. E através da Turquia, a Europa teria finalmente uma voz influente no instável Médio Oriente. Ancara seria tão importante nesse relacionamento como Portugal é no diálogo com o continente africano.
A primeira preocupação dos pais da União Europeia era impossibilitar para sempre a repetição de séculos de conflitos sangrentos, que tiveram como base as diferenças entre os europeus. E as diferenças religiosas, como sabemos, foram causa de várias guerras. Agora que a paz interna parece uma realidade, a União percebeu que este projecto, que conta já com mais de meio século de vida, pode ser posto em causa pelo que se passa nos territórios envolventes. A melhor forma de o evitar – e, ao mesmo tempo, de garantir o aumento de peso da própria Europa na cena mundial – passa por utilizar o seu capital de atracção para impulsionar reformas que privilegiem a democracia, o desenvolvimento económico e a estabilidade nas regiões à sua volta. Foi assim com o alargamento a Sul e, mais tarde, a Leste. A adesão da Turquia será um grande passo para a segurança dos europeus e para a reafirmação da credibilidade da Europa num mundo globalizado.
(C)Sérgio Hipólito
O dilema turco só o é porque se prende com factores bastante mais sensíveis que os acima referidos. Em primeiro lugar, estão em jogo questões de identidade, que se reflectem num conjunto de preconceitos resultantes da percepção que os europeus têm da história e da cultura turcas. A Turquia, embora geograficamente seja mais asiática que europeia, faz parte indiscutivelmente da história do Velho Continente. Basta folhear os nossos manuais escolares. Só que a forma como essa história é transmitida nas escolas privilegia uma visão perigosamente simplista: da mesma forma que os escandinavos da Alta Idade Média eram todos Vikings que espalhavam terror e destruição, os turcos são apresentados como os bárbaros que estiveram às portas de Viena em 1683. Ou seja, cria-se a imagem de um grupo de selvagens que tentaram reduzir a cinzas a mais europeia das cidades daquele tempo. E esta oposição precipitada, produzida nos bancos das escolas, acaba inevitavelmente por criar obstáculos na hora de debater a adesão da Turquia à União Europeia.
Outro argumento frequentemente apontado para rejeitar a adesão da Turquia prende-se com o facto de ser um país islâmico. Mas, neste caso, o 11 de Setembro só veio acentuar ainda mais a necessidade de dizer “sim” a Ancara, sob pena de deitar a perder todo o esforço feito para o diálogo entre civilizações, religiões e culturas (e 2008 será o ano europeu para o diálogo intercultural). De facto, a religião, que parecia uma diferença inultrapassável, tornou-se um factor a favor da adesão da Turquia. Porque neste momento, rejeitar a adesão de um país devido a factores religiosos constitui um erro de proporções inimagináveis, que resultará, por certo, numa reacção sectária e fundamentalista contra a Europa, em todas as suas dimensões. Pior ainda, e tal como afirma Teresa de Sousa (de longe, a melhor jornalista portuguesa em assuntos europeus), “poderá vir a ter resultados para todo o Ocidente tão ou mais perigosos que a invasão do Iraque.”
Aceitar o pedido de adesão da Turquia é, sem dúvida, a forma mais eficaz de demonstrar as vantagens da moderação política e do sistema democrático para modernizar e desenvolver os países islâmicos. Além disso, tendo em conta a actual situação geopolítica internacional, com a credibilidade dos EUA muito afectada, só o soft power europeu pode ser capaz de demonstrar que o Islão é compatível com o respeito pelos direitos humanos e com o Estado de Direito. E através da Turquia, a Europa teria finalmente uma voz influente no instável Médio Oriente. Ancara seria tão importante nesse relacionamento como Portugal é no diálogo com o continente africano.
A primeira preocupação dos pais da União Europeia era impossibilitar para sempre a repetição de séculos de conflitos sangrentos, que tiveram como base as diferenças entre os europeus. E as diferenças religiosas, como sabemos, foram causa de várias guerras. Agora que a paz interna parece uma realidade, a União percebeu que este projecto, que conta já com mais de meio século de vida, pode ser posto em causa pelo que se passa nos territórios envolventes. A melhor forma de o evitar – e, ao mesmo tempo, de garantir o aumento de peso da própria Europa na cena mundial – passa por utilizar o seu capital de atracção para impulsionar reformas que privilegiem a democracia, o desenvolvimento económico e a estabilidade nas regiões à sua volta. Foi assim com o alargamento a Sul e, mais tarde, a Leste. A adesão da Turquia será um grande passo para a segurança dos europeus e para a reafirmação da credibilidade da Europa num mundo globalizado.
(C)Sérgio Hipólito
Mestrando Estudos Europeus
06/01/2008
06/01/2008