terça-feira, dezembro 04, 2007

O PRESENTE ENVENENADO (parte II)

Mas, para os etarras, a preocupação central da luta que travam está longe de ser a qualidade de vida dos seus compatriotas bascos. Se isso fosse fundamental, a questão basca estaria desmontada à partida. Era então necessário recorrer a elementos que não pudessem ser confrontados com dados estatísticos e que fossem mais difíceis de ser julgados pelo cidadão comum. Não é de espantar, por isso, que a ETA tenha tornado recorrido à identidade, porque esta pode ser facilmente manipulada para sustentar ideologias, tal como fez Hitler com o seu regime nazi.
Toda a ideologia da ETA assenta, pois, no pressuposto que a pátria basca é diariamente oprimida por Espanha. Para isso, os nacionalistas não hesitaram em encomendar nos últimos anos vários estudos genéticos a ossadas do Neolítico encontrados no seu território. Isso seria a melhor forma de justificar as pretensas raízes milenares do povo basco e de afirmar claramente as suas diferenças em relação aos restantes espanhóis. Mas os resultados nunca foram os pretendidos, confirmando assim mais um equívoco dos etarras. Na verdade, a identidade dos bascos jamais poderá ser definida a partir da suposta incompatibilidade com grande parte de si mesma. Isto é, ainda que o País Basco fosse independente amanhã, continuaria a ser tão espanhol como é hoje em variadas áreas, tanto nas suas mais altas figuras culturais como em muitos dos seus costumes.
Penso que a cultura basca tem de facto uma singularidade muito considerável, mas mesmo assim não considero chocante, por si só, que haja um povo basco, com a sua identidade e língua próprias, dentro de um Estado espanhol unificado. Por todo o mundo existem actualmente 193 Estados e mais de 6000 línguas diferentes, o que significa que a maioria dos Estados têm muitas línguas e diversidade de grupos étnicos no seu interior. Tal como afirma Eric Hobsbawm, a liberdade e o pluralismo cultural estão mais garantidos dentro de Estados grandes que se reconhecem como plurinacionais e multiculturais, do que em Estados pequenos que perseguem uma homogeneidade cultural e étnico-linguística.
Para terminar, uma outra questão muito sensível. Sou da opinião que não deve haver negociações com a ETA, da mesma forma que o governo italiano não se deve sentar à mesa com a máfia siciliana. Nada, mas mesmo nada, deve ser discutido com uma organização que mata como forma de tentar impor as suas ideias. É lógico que a ETA tenta propor algo que pode parecer atractivo: parar com as suas actividades caso as suas reivindicações sejam aceites. Mas a proposta é absolutamente inaceitável. Porque a partir do instante em que a sociedade concorde com este presente envenenado, quem pensar de forma diferente em algum assunto vai de imediato recorrer à violência até que lhe seja dado o que pretende. E isso é o fim da democracia.

Sérgio Hipólito
01/12/2007
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