terça-feira, dezembro 04, 2007

Texto de Sérgio Hipólito


O PRESENTE ENVENENADO (parte I)


O sonho dos Estados Unidos da Europa nunca desapareceu totalmente. De tempos a tempos, quando o projecto europeu vai de vento em popa, voltam a fazer-se debates sobre esse tema, como que para sentir o pulso à opinião de toda a sociedade. Embora o federalismo esteja (por agora) arrumado na gaveta devido à rejeição da Constituição Europeia, não tenho dúvidas que ele voltará quando o tempo tiver feito o seu papel. É, todavia, curioso olhar para Espanha, um país com cada vez maior influência na cena europeia, mas que ainda não conseguiu integrar os seus subconjuntos numa super-estrutura coerente. O caso mais interessante é, sem dúvida, o que envolve o País Basco.
O nacionalismo basco ultrapassa a sua manifestação mais mediática, isto é, a guerrilha da ETA que perdura há mais de 40 anos. O problema assume para a Espanha e, por inerência, para a UE, uma importância gigantesca. É que hoje, ao invés do que aconteceu com o readquirir da independência portuguesa no século XVII, perder o País Basco causaria um “efeito dominó” de desmembramento da própria Espanha, devido aos antigos desejos que isso iria ressuscitar também na Galiza e na Catalunha. Mas este não é só um problema de Espanha e da União Europeia como um todo: diz-nos respeito a nós, portugueses porque, segundo rezam alguns meios de comunicação, parece que Portugal é já utilizado como base logística para os atentados sangrentos da ETA.
Tenho, contudo, uma opinião clara sobre este assunto: a questão basca não tem presentemente qualquer base objectiva que a justifique. Ou seja, a ETA sustenta uma luta que tem por base critérios irracionais e absurdos. Basta consultar, por exemplo, o Eurostat. A situação sócio-político-económica do País Basco é tudo menos justificativa de actos terroristas. Este é o território autónomo com maior qualidade de vida na UE e com maior independência em relação ao poder central. Dentro do Estado espanhol, a comunidade basca dispõe de Governo e Parlamento próprios, onde também estão representados todos os partidos políticos independentistas. Existe ainda um nível de autonomia fiscal maior que em vários estados alemães e na educação são incentivadas competências bilingues.
Apesar disto, a ETA nunca abandonou totalmente a sua actividade terrorista, ameaçando de várias formas os que se atrevem a manifestar-se a favor do Estado de Direito vigente. Durante a etapa democrática, já morreram mais de mil pessoas e cerca de 200 mil abandonaram o País Basco em busca de locais onde possam dizer livremente o que pensam e andar na rua sem serviços de segurança privados. Até se poderiam perceber as razões para a criação de algum movimento revoltoso no País Basco caso existissem desigualdades económicas inaceitáveis ou se os direitos humanos não fossem respeitados. Só que tal não se verifica no País Basco. E é só por isso que a ETA não entrega as armas: porque já entendeu que não vai conseguir atingir os seus objectivos através de processos democráticos. E portanto não encontra outra solução senão forçar as pessoas a aderir às suas ideias através do medo, eternizando um clima de violência em todos os domínios da vida pública e privada.

Sérgio Hipólito
Mestrando Estudos Europeus
Estagiário OIT
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