sexta-feira, novembro 09, 2007

A Alma Russa e a Identidade Europeia, um texto de Sérgio Hipólito


A ALMA RUSSA E A IDENTIDADE EUROPEIA

O forte nacionalismo russo sempre tentou encobrir o que a mim não me deixa dúvidas: a cultura russa é parte integrante da identidade europeia, da mesma forma que não se pode compreender o país dos czares ignorando a sua “costela” europeísta. Nomes muito destacados, como Alexandr Pushkin, Pedro, o Grande, ou Leo Tolstoy, foram educados segundo paradigmas europeus (sobretudo franceses) e passaram períodos da sua vida a viajar por toda a Europa para melhor tomarem contacto com a arte, a literatura e a ciência que despontavam. Mas foram também russos como aqueles aqui referidos que nos deixaram obras tão incontornáveis como “Guerra e Paz”, ou que mandaram edificar a própria S. Petersburgo, talvez uma das mais belas cidades russas, mas certamente a mais europeia entre todas elas.
Recentemente, tomei contacto com outra figura que apenas consolidou a minha certeza sobre a forte presença de traços russos na alma europeia: Piotr Ilich Tchaikovsky. Não desejo entrar muito nos detalhes da sua vida, mas há um episódio que revela a dimensão da sua figura. Quando o nome de Tchaikovsky já era conhecido por toda a Europa, os defensores do tal espírito nacionalista russo, liderados por outro famoso compositor, Glinka, tentaram “agarrar” a criatividade de Tchaikovsky e pô-la ao serviço da criação de uma música puramente russa que se queria livre de qualquer tipo de influência estrangeira. Mas o espírito cosmopolita e (porque não dizê-lo, por mais que custe aos russos?) o espírito europeu de Tchaikovsky levaram-no a rejeitar esta proposta. Pelo contrário, o compositor continuou a insistir na notável fusão de sons que marca a sua obra, e que junta o melhor da música russa com as influências da mais erudita música clássica que se fazia no coração da Europa.
Ainda hoje, qualquer adolescente “embriagado” nos novos sons urbanos consegue reconhecer as mais famosas composições de Tchaikovsky, como “O Quebra-Nozes” ou mesmo “O Lago dos Cisnes”, da mesma forma que reconhece obras tão simbólicas como a 7ª Sinfonia de Mozart, ou a 9ª Sinfonia de Beethoven. E essa é a maior prova do profundo jogo de influências entre a “alma russa” e a identidade europeia. Por muito que o nacionalismo russo o tente negar.


Sérgio Hipólito
Mestrando de Estudos Europeus,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Estagiário na OIT em Lisboa
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