Saber contar bem uma história. Encontrar uma linha condutora da acção. Caracterizar os personagens, dar-lhes densidade, emoções, vida. Transportar-nos para os ambientes, sejam eles a casa de família, ou a cidade exótica, o ringue de boxe, ou o salão de ópio. Eis mais uma vez a força e o fôlego de D.W.Griffith, realizador americano do qual vimos na terceira sessão do nosso curso o filme "O lírio quebrado". Este filme de 1919, baseado num conto de Thomas Burke, desafia-nos a mergulhar na Londres, húmida, escura e decadente da época e descobrir, no meio de tantos miseráveis sem sonhos, os rostos inocentes de Lucy (Lillian Gish) e Cheng Huan (Richard Barthelmess), dois jovens que o acaso aproxima e que se descobrem numa devoção mútua, um sentimento que se adivinha condenado ao fracasso. D.W.Griffith trabalha as cenas, a luz, a cor e a sua ausência, para que esta história seja, aos nossos olhos, o mais real possível. Escolhe não se interpor entre o espectador e o filme. Deixa-nos toda a liberdade para nos encantarmos com a delicadeza de Cheng e nos comovermos com o olhar sofrido de Lucy. E consegue brilhantemente envolver-nos na intimidade desta história!Pelo contrário, nada disto desejaram os autores dos filmes que visionámos nas três sessões seguintes! Todos eles, Robert Wiene realizador de "O Gabinete do Dr. Caligari", Fritz Lang realizador de "Metropolis" e F.W. Murnau realizador de "Nosferatu", são estrelas maiores do movimento de vanguarda surgido na Europa e centrado na Alemanha, Áustria e Países Nórdicos, e que conhecemos por Expressionismo. Mais do que querer obter a adesão do público a uma representação o mais próxima do real possível, o Expressionismo no cinema busca a distorção do mundo com o objectivo de provocar emoções fortes e extremadas. Os ambientes são obviamente irreais, fantásticos, obscuros e misteriosos, carregando sempre um certo tom mágico próprio da cultura alemã. Os antagonismos são fortíssimos: entre o Bem e o Mal, entre o puro e o corrompido, entre o consciente e o inconsciente. Os cenários ou são totalmente construídos desafiando até as leis da física e da utilização dos objectos (vejam-se as cadeiras da repartição pública em "O Gabinete do Dr. Caligari") ou, sendo naturais, são filmados de formas que nos suscitam arrepios e terrores (como por exemplo as soturnas florestas que rodeiam o castelo do conde Orloff em "Nosferatu", ou os ratos que saem do porão do barco no mesmo filme). Há também uma incapacidade das personagens lutarem contra os poderes sociais instalados, contra a opressão da vida urbana, das classes sociais ou da sociedade industrial como nos mostra "Metropolis", filme maior entre os três, com o seu cunho político e de crítica social que o torna sempre actual.Tudo nestes filmes nos faz ficar sem fôlego: há uma atracção pelo abismo, uma ambiguidade, uma contradição entre forças poderosas, que ainda hoje, 90 anos após terem sido feitos, nos arrebatam e nos fascinam! Tendo sido produtos de uma época muito especial (o período entre guerras na Alemanha de Weimar), transportam em si algo que é universal: o anúncio do Mal que corrompe, a antevisão da violência que todos os extremismos trazem consigo, a fragilidade da pureza de coração e a voracidade dos instintos do desejo e da destruição. Obras primas portanto!"
©Maria Alexandra Campos