E de novo temos a 2.ª Guerra Mundial como pano de fundo para mais uma obra, desta vez um romance de um polaco, o pianista Wladyslaw Szpilman, filmada por um cineasta de origem polaca, Roman Polanski. E que história é esta senão a própria experiência de Szpilman na Varsóvia dos anos 30/40: ele, um judeu, e por isso um homem marcado, destinado à exclusão social, ao enclausuramento no gueto e à posterior deportação e extermínio. De facto, se muitos filmes nos falam na 2.ª Guerra Mundial e no horror da perseguição aos judeus, talvez este seja um dos mais pessoais e intimistas que é possivel encontrar sobre este tema. É a voz de quem ficou fora do mundo, fechado dentro dos muros do gueto, uma voz que raramente nos chega. As situações têm rostos concretos, gestos únicos, há acasos, momentos de sorte e de azar, aparentemente banais, que conjugados permitiram que Szpilman tivesse sobrevivido para poder contar como foi. Não temos aqui um herói épico ou sobrehumano, dotado de compaixão infinita e sempre positivo. Não, aqui acompanhamos a humilhação e a arbitrariedade sofridas sem que a voz se levante, a luta pela sobrevivência, na busca de um abrigo, de um esconderijo para noite, de um agasalho, de um bocado de pão duro para comer. Mas há aqui também espaço para um pequeno milagre: no final da 1944, quando Varsóvia se encontrava completamente bombardeada, Szpilman ainda deambulava pelas ruínas e foi descoberto por um oficial alemão que, não só não o denunciou, como o ajudou a sobreviver trazendo-lhe comida e agasalho.O filme que Roman Polanski realiza partindo do romance, e mantendo-se muito fiel ao mesmo, é uma das suas grandes obras, pois soube verter nela a sua própria experiência de sobrevivência à perseguição nazi. Polanski viveu no gueto de Cracóvia até entrar na clandestinidade em 1943, e perdeu parte da sua família nos campos de concentraçao. Foi logo após o final da Guerra, em 1945, que Szpilman escreveu o seu relato e intitulou-o "Morte de uma cidade", pois foi a isso mesmo que ele assistiu: ao findar da vidacivilizada, do respeito pelos outros, de um modo de vida organizado e próspero. No entanto, viu-o ser censurado pelas novas autoridades polacas (a Polónia passara a pertencer à esfera da União Soviética) por se atrever a mostrar que nem todos os alemães eram maus e pior, que nem todos os oprimidos eram bons. Sim, porque Szpilman denuncia aqueles que no gueto enriqueciam com o contrabando de bens, com a corrupção e os subornos aos SS, ou que como os membros da Polícia Judia do Gueto, eram gente ainda mais selvagem e mais violenta que os nazis.Somente em 1998 foi republicado o romance, pelo filho de Szpilman, primeiro em alemão e depois em inglês com o título "O pianista", sendo um livro que todos devemos ler, para que não se perca a memória do horror, e para que essa memória nos impeça de cair nos mesmos erros."
©Maria Alexandra Campos