“O leopardo” é uma obra ímpar da literatura europeia que tem a particularidade de ter ficado conhecida por uma frase chave: “É preciso que algo mude para que tudo continue na mesma.” E esta é, sem dúvida, a síntese de todo o desencanto vivido pelo protagonista, o Príncipe Fabrizio Corbero.
Mas comecemos pelo início: este romance, marcado por um profundo cunho autobiográfico (Lampedusa era também uma membro da velha aristocracia siciliana, nascido em Palermo em 1896) transporta-nos para a época do “Rissurgimento” (meados/finais do século XIX), um período conturbado da história da futura Itália, onde se sucederam as conquistas e as guerras pela unificação, e que teve como uma das suas figuras principais o revolucionário Garibaldi. É nesta terra selvagem e agreste que vive o Príncipe de Salina e a sua numerosa família, um homem forte e íntegro, um líder respeitado, um aristocrata orgulhoso do seu nome e da história associada ao seu título. E é aqui também que surge a perturbação e a incerteza, elementos subtilmente introduzidos logo no inicio do filme pelo alarido da descoberta de um soldado morto no jardim da casa senhorial, que interrompe, de modo abrupto, o recolhimento e a paz da oração familiar. Visconti filma toda a história como um mural que ilustra as transformações sociais e as transformações interiores dos personagens, e usa elementos como o ritmo, o enquadramento e a fotografia para nos fazer sentir parte desse quadro.
O mundo está a mudar e o Príncipe pressente-o de uma forma muito lúcida: os velhos chefes caem, a aristocracia rural perde o seu poder em favor de uma burguesia em plena ascensão, cheia de dinheiro fresco. E é esta lucidez que o conduz à solução possível para uma manutenção, ainda que temporária, da sua posição social: uma aliança alicerçada no mais forte dos elos, o casamento entre o seu sobrinho Tancredi e a bela Angélica, filha do burguês Don Calogero Sedara. Na verdade, as classes dominantes mudam, mas para o povo tudo se mantém como dantes.
Na cena final, o fausto e longo baile, acompanhamos o Príncipe na sua reflexão interior, no seu abandono total às forças de mudança que o subjugam, na sua rendição aos factos, na sua cedência do lugar na ribalta do mundo. Afasta-se por sua vontade, de cabeça erguida, como um animal majestoso, ferido de morte, saindo de cena sozinho, na noite escura. E ficam-nos as suas palavras: “Nós fomos os leopardos, os leões. Estes que tomam o nosso lugar são os chacais e as hienas. E todos nós, leopardos, leões, chacais e hienas pensamos que somos o sal da terra!”.”
Mas comecemos pelo início: este romance, marcado por um profundo cunho autobiográfico (Lampedusa era também uma membro da velha aristocracia siciliana, nascido em Palermo em 1896) transporta-nos para a época do “Rissurgimento” (meados/finais do século XIX), um período conturbado da história da futura Itália, onde se sucederam as conquistas e as guerras pela unificação, e que teve como uma das suas figuras principais o revolucionário Garibaldi. É nesta terra selvagem e agreste que vive o Príncipe de Salina e a sua numerosa família, um homem forte e íntegro, um líder respeitado, um aristocrata orgulhoso do seu nome e da história associada ao seu título. E é aqui também que surge a perturbação e a incerteza, elementos subtilmente introduzidos logo no inicio do filme pelo alarido da descoberta de um soldado morto no jardim da casa senhorial, que interrompe, de modo abrupto, o recolhimento e a paz da oração familiar. Visconti filma toda a história como um mural que ilustra as transformações sociais e as transformações interiores dos personagens, e usa elementos como o ritmo, o enquadramento e a fotografia para nos fazer sentir parte desse quadro.
O mundo está a mudar e o Príncipe pressente-o de uma forma muito lúcida: os velhos chefes caem, a aristocracia rural perde o seu poder em favor de uma burguesia em plena ascensão, cheia de dinheiro fresco. E é esta lucidez que o conduz à solução possível para uma manutenção, ainda que temporária, da sua posição social: uma aliança alicerçada no mais forte dos elos, o casamento entre o seu sobrinho Tancredi e a bela Angélica, filha do burguês Don Calogero Sedara. Na verdade, as classes dominantes mudam, mas para o povo tudo se mantém como dantes.
Na cena final, o fausto e longo baile, acompanhamos o Príncipe na sua reflexão interior, no seu abandono total às forças de mudança que o subjugam, na sua rendição aos factos, na sua cedência do lugar na ribalta do mundo. Afasta-se por sua vontade, de cabeça erguida, como um animal majestoso, ferido de morte, saindo de cena sozinho, na noite escura. E ficam-nos as suas palavras: “Nós fomos os leopardos, os leões. Estes que tomam o nosso lugar são os chacais e as hienas. E todos nós, leopardos, leões, chacais e hienas pensamos que somos o sal da terra!”.”
Maria Alexandra Campos