quinta-feira, novembro 22, 2007




A EUROPA FICA NOUTRA GALÁXIA?

Ainda que não por bons motivos, vale a pena ouvir a entrevista de Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, à TSF. Ao estilo de Marcelo Rebelo de Sousa, aquela entrevista chumbava com 7. Nem sequer ia a exame. Mas a culpa não foi de Barroso. Foi sobretudo dos jornalistas, que conduziram uma entrevista ao nível das que encontramos numa revista cor-de-rosa: primeiro ficámos com a certeza de que não vai haver referendos ao Tratado de Lisboa, à excepção da Irlanda e por obrigação constitucional; depois passou-se ao de leve (talvez para não cansar os ouvintes) pelos principais desafios que se colocam à UE.
Para terminar a parte europeia da entrevista, (porque não resistiram a abordar os “ajustes de contas” no PSD) deu-se um genial período de questões pessoais. É então que João Marcelino, director do DN, dispara perguntas sobre “com que líderes tem melhores relações pessoais?”, ou se haverá diferenças entre a imagem mediática que eles projectam e o contacto privado. Só faltava perguntar ao Presidente da Comissão se tem por hábito mandar SMS a Angela Merkl ou se Sarkozy prefere Coca-Cola com ou sem limão. Para rematar, quando Durão Barroso lhe diz com naturalidade que “somos todos pessoais normais, com os nossos problemas e frustrações”, João Marcelino pergunta com insaciável curiosidade: “e trocam ideias sobre isso?”.
Este episódio seria apenas cómico se não fosse demonstrador de uma pobre realidade. Se é um facto que muitos portugueses fazem tudo para ignorar a construção europeia, é também verdade que a maioria dos nossos media nos retratam a Europa como uma realidade distante, inacessível e liderada por indivíduos quase sobre-humanos. E isso gera inevitavelmente um conformismo preocupante. Entre nós, foi curioso ler os jornais após a Cimeira de Outubro em Lisboa: as reportagens apenas sublinharam, em estilo festivo, os esforços da presidência portuguesa para agradar a todos e a importância de se ter ultrapassado um impasse institucional. Não houve contraditório nem espaço para a dúvida. Como se só o nome de Tratado de Lisboa fosse suficiente para que todos nós agradecêssemos a sua existência. Debater o próprio Tratado? Questionar se será a melhor resposta para os problemas da Europa? Isso é ser anti-europeu.
E isto leva-me novamente à entrevista da TSF. Segundo Durão Barroso, “se se generaliza a prática de haver referendo cada vez que há um novo tratado, então é muito pouco provável termos qualquer novo tratado”. Trocando por miúdos, é melhor não haver referendos pela simples razão que os europeus não têm o discernimento para reconhecer que o que está a ser cozinhado em Bruxelas vai de encontro ao que precisam. Mas apetece dizer: “Olhe que não! Olhe que não!” É que a Europa somos nós.
Os europeus devem ser chamados a participar mais nos processos de decisão, ao invés de verem as decisões impostas por uma instituição que lhes parece estar lá na tal galáxia distante. Porque senão também não se sentem motivados para votar nas eleições para o Parlamento Europeu, e é toda a legitimidade da UE que fica em causa. A Europa como projecto político é como um qualquer edifício: precisa de fundações fortes para resistir aos ventos e aos tremores de terra. E para isso tem que colocar, de uma vez, por todas os cidadãos no centro da construção europeia.


Sérgio Hipólito
Mestrando em Estudos Europeus (FLL)
Estagiário OIT (lisboa)
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